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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

LENDA ASSÍRIA - AS AVENTURAS DE ISTAR


Nicéas Romeo Zanchett 
                 A lenda assíria de Istar é uma das mais antigas no mundo, porque sem dúvida remonta a uma época muito anterior à da epopeia que a contém e de onde é feita a tradução seguinte. Este grande poema, atualmente existente apenas em estado fragmentado, mas que não é improvável que futuras descobertas venham a tornar possível restabelecer, parece ter envolvido numerosas lendas das divindades, de modo análogo às metamorfoses de Ovídio, que foram compostas de materiais pré-existentes, de per si suficientemente vulneráveis para ter obtido um caráter sagrado. O canto relativo às aventuras de Istar é por enquanto o mais completo. Descreve a descida de Istar ao mundo subterrâneo em busca do seu falecido esposo, Du-zi, o Tammuz e que as mulheres da Síria são representadas  pela Escritura como lamentando, e o Adônis da mitologia grega. O mito significa a retirada do sol para a escuridão e frio do inverno, aquele de todos os fatos naturais que mais devia ter impressionado as raças humanas que não gozavam um perpétuo verão. Encontra-se, sob uma forma ou outra, em toda a religião acima das mais rudes; o que é característico do poeta babilônico é a poderosa imaginação com que ele pinta Istar despida sucessivamente de todos os seus artigos de vestuário até nada lhe restar a não ser o pó da morte; enquanto as consequências para os homens da saída de entre eles da Deusa do Amor e do Prazer, mostra que já neste período remoto se relacionava sobre causas e seus efeitos. 
Nicéas Romeo Zanchett

AS AVENTURAS DE ISTAR 
1 - Vou para o país das sombras, de onde ninguém regressa. 
2 - Estendo as mãos como uma ave as asas. 
3 - desço à casa das trevas, à morada do deus Irkalla; 
4 - à casa de onde se não sai,
5 - à estrada de onde se não volta; 
6 - à casa de cuja entrada tiraram a luz, 
7 - ao sítio onde o alimento é pó e comida lama.
8 - Seus chefes são também como aves cobertas de penas; 
9 - nunca se vê luz, moram na escuridão. 
10 - Na casa, ó meu amigo, onde entrarei
11 - está guardada para mim uma coroa; 
12 - com aqueles coroados que desde dias remotos semearam na terra, 
13 - a quem os deuses Anu e Bel deram o poder da dominar.
14 - deram-lhe água para matar a sede, bebem águas límpidas.
15 - Na casa, ó meu amigo, em que entrarei
16 - moram o senhor e o livre, 
17 - moram o sacerdote e o grande, 
18 - moram os vermes do abismo dos grandes deuses; 
19 - mora li Etana, mora ali o deus Ner; 
20 - moa ali a rainha das regiões inferiores, Allat,
21 - a senhora dos campos, a mãe da rainha das regiões inferiores, submete-se a ela, 
22 - e não há quem contra ela se erga na sua presença. 
23 - Acercar-me-ei dela e ver-me-á 
24 - ... e levar-me-á a ela.
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                  Aqui interrompe-se outra vez a história como atualmente a temos, faltando as colunas V e VI.  Parece que Hea-Bani está aqui contando ao seu amigo como há de morrer e baixar à casa das sombras. O Sr. Smith pensava, porém, que na terceira coluna está alguém falando a Istar, querendo persuadi-la de não descer às regiões inferiores, enquanto na quarta coluna a deusa, que está sentindo todas as dores do ciúme e do ódio, se compraz nos negros detalhes da descrição dessas regiões e declara o seu propósito de descer a elas. 
A DESCIDA DE ISTAR AO PAÍS DAS SOMBRAS
1 - Ao país das sombras, de onde ninguém volta, à terra das trevas, 
2 - Istar, filha de Sin (a lua) deu ouvidos; 
3 - deu também ouvidos a filha de Sin 
4 - à mansão das trevas, morada do deus Irkalla, 
5 - à casa de onde se não sai, 
6 - à estrada de onde se não volta, 
7 - à casa de cuja entrada tiraram a luz, 
8 - ao sítio onde se alimentam de pó e comem lama, 
9 - nunca se vê a luz, moram nas trevas.
10 - Seus chefes, também, são como aves cobertas de penas, 
11 - sobre a porta e fechos está pó espalhado.  
12 - Istar ao chegar à porta do país dos sonhos, 
13 - ao guarda da porta dá uma ordem:
14 - Guarda das águas, abre a tua porta, 
15 - abre a porta para que eu entre. 
16 - Se não abres a porta para que eu entre, 
17 - baterei na porta, partirei os fechos, 
18 - baterei no limiar, e passarei pelas portas; 
19 - erguerei os mortos para que devorem os vivos, 
20 - o número dos vivos será excedido pelo dos mortos.
21 - O guarda abre a boca e fala, 
22 - diz à princesa Istar: 
23 - Para, senhora, não a glorificas, 
24 - deixa que vá repetir teu nome à rainha Allat. 
25 - O guarda desceu e diz a Allat: 
26 - Esta água (da vida) vem buscá-la tua irmã Istar
27 - a rainha das grandes abóbadas do céu... 
28 - Allat, ouvindo isto, diz: 
29 - Como a sega da erva desceu (Istar) ao país das sombras, 
30 - como a boca de um inseto fatal, ela...
31 - Que importa o seu coração, que me importa a sua cólera? 
32 - Istar responde: Esta água, com meu esposo, 
33 - como comida comeria, como cerveja beberia. 
34 - Daixa que chore os fortes que perderam as esposas. 
35 - Deixa que chore as que perderam os abraços dos esposos. 
Deixa que eu chore o filho único morre antes que cheguem os seus dias.
37 - Allat diz: Vai, guarda, e abre-lhe a porta, 
38 - enfeitiça-a também segundo as regras antigas. 
39 - Foi o guarda a abriu a porta:
40 Entra, senhora, que a cidade de Cutha te receba;   
41 que o palácio do país das sombras se regozije com a tua presença. 
42 - Fê-la entrar a primeira porta, e tocou-lhe, e atirou a terra a grande coroa que levava na cabeça.
43 - Por que, ó guarda,  deitaste à terra a grande coroa da minha cabeça? 
44 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
45 - Fê-la entrar a segunda porta, e tocou-lhe, e deitou fora os brincos das suas orelhas. 
46 - Por que, ó guarda, deitaste fora os brincos das minhas orelhas? 
47 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
48 - Fê-la entrar a terceira porta, e tocou-lhe, e deitou fora o colar de pedras do seu pescoço. 
49 - Por que, ó guarda, deitaste fora o colar de pedras do meu pescoço?
50 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
51 - Fê-la entrar a quarta porta, e tocou-lhe, e deitou fora os ornamentos do seu peito. 
52 - Por que, ó guarda, deitaste fora os ornamentos do meu peito? 
53 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
54 - Fê-la entrar a quinta porta, e tocou-lhe, e deitou fora o cinto de joias da sua cintura. 
55 - Por que ó guarda, deitaste fora o cinto de joias da minha cintura? 
56 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
57 - Fê-la entrar a sexta porta, e tocou-lhe, e deitou fora as pulseiras da suas mãos e dos seus pés.
58 - Por que, ó guarda, deitaste fora as pulseiras das minhas mãos e dos meus pés? 
59 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 

60 - Fê-la entrar a sétima porta, e tocou-lhe, e deitou fora o vestido do seu corpo. 
61 - Por que, ó guarda, deitaste fora o vestido do meu corpo? 
62 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
63 - Quando Istar já havia descido muito ao pais das sombras 
64 - Allat viu-a e mostrou-se altiva; 
65 - Istar não ponderou e rogou-lhe pragas, 
66 - Allat abriu a boca e falou: 
67 - A Namtar ( o demônio da peste), seu mensageiro, deu uma ordem: 
68 - vai, Namtar, leva daqui Istar, 
69 - Leva-a para......, sim, a Istar, 
70 - dá-lhe doença nos olhos, 
71 - dá-lhe doenças nas costelas, 
 72 - dá-lhe doença nos pés, 
73 - dá-lhe doneça no coração, 
74 - dá-lhe doença na cabeça, 
75 - dá-lhe doença em toda ela. 
76 - Depois de a senhora Istar ter descido à região das sombras, 
77 - o touro não queria unir-se à vaca, nem o burro à burra, 
78 - a escrava na rua não deixava que lhe tocassem, 
79 - deixou o livre de mandar, 
80 - deixou a escrava de das a sua oferta. 

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COLUNA II 
Istar desce às regiões inferiores e cumpre sua ameaça, mas não retorna.
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1 - Papsukul, mensageiro dos grandes deuses, inclinou a sua face ante Sama; 
2 - ... (perdeu-se no tempo) 
3 - Samas (deus do Sol) partiu e achou-se na presença de seu pai, o deus da lua, 
4 - Foi em lágrimas à presença do rei Hea;
5 - Istar desceu às regiões inferiores e não regressou; 
6 - há muito tempo que Istar desceu ao país das sombras, 
6 - o touro não quer unir-se à vaca, nem o burro à burra; 
7 -a escrava na rua não deixa que lhe toquem; 
9 - o livre deixou de mandar, 
10 - a escrava deixou de dar a sua oferta. 
11 - Hea na sabedoria do seu coração formou um propósito, 
12 - e falou a Atsu-Sunamir, a esfinge: 
13 - Vai, Atsu-Sunamir, volta o teu rosto para as portas do país das sombras; 
14 - que as sete portas do país das sombras se abram à tua presença; 
15 - que te veja Allat e com a tua presença regozige; 
16 - quando descansar o teu coração e se acalmar o teu fígado; 
17 - suplica-a em nome dos grandes deuses. 
18 - Levanta a tua cabeça, presta teu ouvido ao tumultuar o rio; 
19 - que a senhora Istar domine o rio tumultuoso, e beba as águas no meio dele. 
20 - Allat, ouvindo isto,
21 - bateu no peito, mordeu o polegar, 
22 - tornou a voltar-se, não perguntou coisa alguma. 
23 - Vai, Atsu-Sunamir, que eu te prenda no grande cárcere, 
24 - que o lixo dos alicerces da cidade seja a tua comida,
25 - que os esgotos da cidade sejam a tua bebida, 
26 - que a escuridão do cárcere  seja tua morada, 
27 - que uma estaca seja o teu assento, 
28 - que a fome e a sede caiam sobre teus filhos. 
29 - Alat abriu a boca e falou 
30 - a Namtar, o seu mensageiro, dá uma ordem:
31 - Vai, Namtar, bate no palácio firme, 
32 - adorna com pedras da aurora as escadas de pedra (da deusa Asherah),
33 - manda surgir os espíritos da terra, senta-os num trono de ouro, 
34 - dá a Istar as águas da vida e conduza-a ante mim.
35 - Namtar partiu, bateu no palácio firme, 
36 - ordenou com pedras da aurora as estacas de pedra,
37 - fez surgir os espíritos da terra e sentou-os num trono de ouro, 
38 - deu a Istar as águas da vida e levou-a.
39 - Fê-la passar a primeira porta e restituiu-lhe o vestido do seu corpo. 
40 - Fê-la passar a segunda porta e restituiu-lhe as pulseiras das suas mãos e pés. 
41 - Fê-la passar a terceira porta e restituiu-lhe o cinto de joias da sua cintura. 
42 - Fê-la passar a quarta porta e restituiu-lhe os ornamentos do seu peito. 
43 - Fê-la passar a quinta porta e restitui-lhe o colar de pedras do seu pescoço. 
44 - Fê-la passar a sexta porta e restituiu-lhe os brincos das suas orelhas. 
45 - Fê-la passar a sétima porta e restituiu-lhe a grande coroa da sua cabeça. 
46 - Visto que (a Allat) não pagaste (diz ele) o teu resgate, regressa a ela. 
47 -  por Tammuz, esposo da tua juventude;
48 - deita sobre ela as águas brilhantes, as gotas de água,
49 - veste-o ricamente a adorna-o com um anel de cristal. 
50 - Que Samkhat acalme o pesar (de Istar)
51 - e Kharimat lhe de consolação.  
52 - Tampouco destruiu ela as pedras preciosas dos olhos, 
53 - uniu a ferida do seu irmão (Tammuz), bateu no peito, ela, Kharimat, lhe deu consolação;
54 - ela não pediu as pedras preciosas dos olhos, 
55 - (dizendo): Ó meu único irmão, não me lamentes. 
56 - No dia em que Tammuz me adornou, com um anel de cristal, com um bracelete de esmeraldas, adornou-me juntamente com ele. 
57- consigo mesmo me adornou; que os pranteadores e pranteadoras
58 - o coloquem num esquife e reúnam quem o há de velar.
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Este texto notável mostra Istar cumprindo a sua ameaça e descendo ao país das sombras, mas não parece que ela já tivesse se vingado de Izdúbar).
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OBSERVAÇÃO FINAL 
Já escrevi um resumo descritivo sobre a Divina Comédia de Dante Alighieri e concluo que o sábio de Florença também conheceu esta Lenda de Istar, porque vejo muitas semelhanças que, na minha humilde opinião, pode lhe ter servido de inspiração. Evidentemente que as duas lendas influenciaram seus autores de acordo com a vida da época em que cada um escreveu. Na Divina Comédia de Dante fica bem evidenciado a influência do poder da Igreja quando ele fala da descida ao inferno passando antes pelo purgatório e finalmente chegando ao paraíso (Céu); e em cada local são encontradas as pessoas, já falecidas, de acordo com os pecados cometidos em vida.
Convido-os a refletir sobre essa hipótese.
Nicéas Romeo Zanchett
LEIA TAMBÉM >>AS CARTAS DE BALZAC  - Conta a vida do célebre escritor da Comédia Humana, que muitos dizem ter sido inspirada na Comédia de Dante Alighieri. Também poderá ler um grande número de cartas que deram ao escritor a oportunidade de conhecer o ser humano para escrever seus mais de 80 volumes.

domingo, 24 de agosto de 2014

SALMO - Por David - Rei de Israel

Nicéas Romeo Zanchett 


UM POUCO DA HISTÓRIA DE ISRAEL 
David, o segundo Rei de Israel, sucessor de Saul, nasceu em Bethlem no século  X antes de Cristo. 
Guardava os rebanhos de seu pai, segundo a Bíblia, quando o profeta Samuel o ungiu prometendo-lhe a sucessão de Saul.  Vencedor dos Filisteus, tornou-se um grande chefe guerreiro e excitou os zelos e à perseguição de Saul.  Depois da morte deste, David veio a ser proclamado Rei das tribos de Israel. Fez da cidade de Sião a capital com o nome de Jerusalém. 
Foi, indiscutivelmente, um homem muito inteligente e sábio. Poeta e profeta, deixou-nos o seus Salmos de uma grande inspiração lírica. 
Especialmente neste Salmo, podemos ver nitidamente o amor, a inveja, a intriga e o ódio que um povo, já naquela época, dedicava a seu lider. Concluo que o amor de um povo pelo seu lider (político), dura o tempo de sua glória.
Nicéas Romeo Zanchett 
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SALMO 
Por David - o Profeta - 
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Salva-me, Senhor! pereço; 
Já vem as águas subindo;  
Já me enchem a boca, o peito, 
Quase me vou submergindo. 
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As ondas encapeladas 
Arrojam-me com violência ;
Pregam-me imóvel e fraco
Num lodo sem consistência.
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Vai crescendo a tempestade, 
E dá comigo de um salto
No pélago profundo, 
Nos abismos do mar alto. 
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Trabalho, grito; mas canso; 
Minhas faces enrouquecem; 
Meus olhos no Céu pregados
Perdem a luz, desfalecem. 
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Mais bastos que os meus cabelos
Os meus inimigos são; 
São gratuitos seus furores, 
Gratuíta sua aversão. 
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Cresce a turba dos perversos, 
Furiosos me acometem; 
Será, pois, justo que eu pague
Os crimes que eles cometem? 
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Conheces minhas fraquezas 
Meu Deus! e as dos mais viventes 
Se acaso tenho delitos
A teus olhos são patentes. 
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Mas, Senhor! em mim não cuido
Por causa do meu tormento; 
Temo só que outros que esperam
Os assalte o desalento. 
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Que dirão se me abandonas? 
Deus de Israel! não consintas
Que os que te buscam vacilem, 
Temam que em mim te desmintas; 
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Que aflitos, envergonhados, 
Olhem para mim com susto; 
Duvidem se o meu ditame
Era reto, ou se era injusto. 
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Quanto sofre, quantas mágoas
O meu coração laceram!
Por ti somente as padeço,
 Só de amar a lei, nasceram. 
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Por ti suportei opróbios, 
Confusão cobriu meu rosto; 
Fez-me da pátria estrangeiro
O ódio que me era oposto. 
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Com desdém os meus me olharam; 
E sem dó do meu destino, 
Me deixaram ir passando
Como passa um peregrino. 
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Ah! Senhor! por que motivo?...
Porque o teu templo adorava; 
E um ardente amor e zelo
Dá vontade me abrazava; 
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Pronto a combater injúrias, 
Que a ti, meu Deus, se fizeram; 
Dos maus a vingança, os ódios
Desta origem procederam.
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Eis aqui o meu delito;
 Eis aqui o que me resta;
Cobrir-me de cinza e luto, 
E de pranto a face mesta.
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Mas esta mesma tristeza,   
Esta acerba penitência, 
Provocou novos insultos, 
Foi ludibrio da insolência.
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Ora depravado Escriba, 
Que juízes perversos, 
Me insultam a inocência 
Em sentenças, prosa ou versos. 
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Eu surdo a seus vitupérios 
A ti meus votos envio; 
É tempo de me escutares; 
Em ti, meu Deus, me confio. 
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 Acrescenta a teus prodígios 
Mais um; escuta-me agora:
Salva-me, cumpre a promessa
Que fizeste a quem te implora. 
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Queres, Senhor, por ventura 
Que me trague a tempestade? 
Que luto e pranto me abismem
Esforços de iniquidade? 
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Não, meu Deus! tu me libertas
Das mãos dos perseguidores; 
Das águas em que naufrago
De um fosso cheio de horrores. 
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Não me deixes submergido
Nestes mares de amargura; 
Não me apagues a esperança, 
Não feches prisão tão dura. 
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Dá-me, pois, algum conforto,
 Qual tua bondade imensa
Distribui  aos afligidos, 
E as mágoas lhes recompensa. 
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Olha para mim; não volte
O rosto para não ver-me; 
Vê quanto sofro e padeço; 
Isso basta a socorrer-me.
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Chega-te a mim; à minha álma
Dá saúde, mesmo à vista 
Dos inimigos; e vejam
Que a ti não há quem resista. 
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Bem vês como procuram
Cobrir-me de pejo a face; 
Que não há dor, ignomínia
que eu não experimentasse. 
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Porém na tua presença
Então sem véu as verdades; 
Qual sou conheces, e sabes
De quem me insulta as maldades. 
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Não pasmo do que me fazem; 
Seu ódio sei, seus furores;
Impropérios esperava,  
Crueldades e rigores. 
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No meu desamparo extrêmo 
Não achei quem me acudisse; 
Quem me desse a mão caindo. 
Ou que de mim não fugisse. 
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Para apagar minha sede
Vinagre e fel me ofertaram: 
Será, pois, a mesa destes 
Como a que me prepararam? 
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De espessas trévas cercados, 
Tropeçarão nos seus laços; 
E os grilhões que me puseram
Hão de carregar seus braços. 
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Em tão mísera cegueira, 
Privados da luz divina, 
Irão curvados ao jugo
Do pecado que os domina. 
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Veja a cólera celeste
Já sobre eles derramar-se; 
O teu furor, Deus irado, 
Vir nos máus desafogar-se. 
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Serão seus lares desertos; 
Seus palácios abatidos; 
Seus opulentos domínios
Ficarão desconhecidos. 
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Desgarrado o peregrino
Não atinará com a estrada; 
De tanta glória e soberba
Restará silêncio, ou nada.
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Feridas a quem feriste
Sem piedade acrescentaram; 
Por isso os bárbaros paguem
As dores que me aumentaram, 
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Às suas iniquidades
Irão mais erros juntando;
E os castigos que merecem 
Com mais erros provocando.
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E como a conta fecharam 
No livro fatal da vida, 
Da misericórdia divina
Fica-lhe a sua excluída. 
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Seus nomes serão riscados; 
E dos justos no congresso, 
Pois que auxílios rejeitaram, 
Ser-lhes-á vedado o ingesso, 
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Eu, meu Deus, desconsolado, 
Aflito, em penas nutrido, 
A ti recorro, bem certo
Que hás de escutar meu gemido.
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Salva-me, Senhor, se queres; 
Suavisa meus tormentos; 
Hei de encodoar de novo
Harmônicos instrumentos. 
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A cítara abandonada, 
Do pó, da mudez tirando, 
Irei com métricas vozes 
O meu Deus magnificando. 
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Mais te agradará meu canto, 
Cheio de estro e de ternura, 
Que outro qualquer sacrifício, 
Ou vítima tenra e pura. 
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Companheiros de infortúnio, 
Afligidos, confortai-vos! 
Os prodígios que Deus obra
Cantai comigo, alegrai-vos.
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Deus não desampara ingrato
Quem fiel sempre procura; 
Ove o pobre; e não consente 
Que pareça em prisão dura. 
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Louve o céu, a terra, os mares, 
E tudo o que o globo encerra, 
O Deus que aos tristes acode, 
Que domina o céus e a terra. 
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O Deus que terá cuidado
De Sião e de seus muros; 
Que a Judá novas cidades
Dará, e asilos seguros.
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Habitarão lá ditosos, 
Verificada a esperança, 
Esses a quem Deus entrega 
Sua restaurada herança. 
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Esta, prosperando fausta, 
De filho a filho passando, 
De Deus o nome supremo
Irá sempre recordando. 
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Os que em santo amor se abrasam, 
Entoando seus louvores, 
Serão, com perpétyua glória, 
De seu templo habitadores. 
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Prestem especial atenção ao verso: "O Deus que terá cuidado 
                                                             De Sião e de seus muros; 
                                                             Que a Judá novas cidades
                                                             Dará, e asilos sguros."
                                                                                  ---
 A paz é possível, mas os interesses dos poderosos não a permitem e nem querem.
Pesquisa e adaptação: Nicéas Romeo Zanchett 
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segunda-feira, 2 de junho de 2014

BÍBLIA - O LIVRO DE SABEDORIAS ANTIGAS

BÍBLIA - O LIVRO DE SABEDORIAS ANTIGAS
Por Nicéas Romeo Zanchett 


                  Com o despertar da consciência, o homem primitivo passou a encarar o espaço que o rodeia como epifania do divino. A divisão do espaço sideral surge como padrão temporal traçado pelo movimento do planeta. Na medida em que evoluía, seu cérebro avolumou-se e adquiriu maior  capacidade para compreender seus semelhantes. Surge, então, a vontade de dominá-los e conduzi-los à sua vontade.  
                  Já com a consciência em bom grau de compreensão, percebe que todos temem a morte e esta seria a melhor maneira para dominá-los. Os mais sábios criam uma forma de organização social primitiva com base nos próprios medos e desenvolve-se o temor a alguém lá do céu que comanda tudo na terra. Os cataclismos ambientais, trovões, raios, vulcões, enchentes e outros fenômenos naturais, servem de exemplo para os líderes tribais.  Surge a forma mais primitiva de religião, mas ainda não escrita. Com o passar dos séculos surgem os primeiros reis e sábios. O nascimento, a morte e o renascer são a base para a criação de leis regulamentares que garantam a ordem e a paz. 
                   Tanto no Oriente como no Ocidente,  as religiões e crenças se desenvolveram com base no medo, ganância, imaginação e poesia. 
                   A Bíblia é uma joia literária das mais antigas. Nossa conversação diária e grande parte da literatura, principalmente ocidental, estão cheias de cintilantes frases da Bíblia. Consciente ou inconscientemente, dificilmente passamos um só dia sem citar a Bíblia. Ela está tão profundamente impregnada no âmago de nossa linguagem que nem notamos estar citando as chamadas "Sagradas Escrituras". Apenas como exemplo, cito: "seus dias são como a relva", "a menina dos olhos", "da boca das crianças", "o lírio do vale", "o vento levou". A dúvida sobre nossa eternidade continua: "morto um homem, viverá ele de novo? 
                  Parando um momento para pensar, iremos perceber que as religiões dominam a mente humana pelo medo, da mesma forma que a política o faz pelas leis e pela força militar.
                  Voltando à Bíblia, que só foi democratizada depois da invenção da imprensa  de Gutemberg, todos sabemos que eram escritas pelos escribas.

Os escribas transcreviam o que era ditado pelos sábios.
                    E assim surgiram joias literárias que chegaram até o nosso tempo. 
                    Os Provérbios de Salomão são apenas alguns dos ricos tesouros da sabedoria humana:  "
"Três coisas me são dificultosas (de entender)
e uma quarta eu ignoro inteiramente: 
O caminho da água pelo ar, 
o caminho da cobra sobre a pedra, 
o caminho da nau mo meio do mar, 
e o caminho do homem na sua mocidade". (XXX. 18.19)
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Vejamos agora o conselho sobre o casamento: 
"Vive alegre com a mulher que tomaste na juventude...
Os seus encantos sejam o teu recreio em todo o tempo; 
Mo seu amor busca sempre as tuas delícias". (V. 18.19. idem).
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                    Outra pérola literária da Bíblia é a seguinte:
"Bem aventurado o homem que adquiriu a sabedoria, e que está rico de prudência. 
Vale mais a sua aquisição que a da prata e os seus frutos são melhores que o ouro mais fino e mais puro. 
É mais preciosa que todas as riquezas, e tudo mais que se deseja não se pode comprar com ela. 
Na sua direita está uma larga vida, e as riquezas e a glória na sua esquerda. 
Os seus caminhos são caminhos formosos, e são de paz todas as suas veredas.  (III - 13-17. Idem).
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                     O filósofo e historiador inglês disse que a História de Jó é uma das mais grandiosas obras saídas do pensamento humano. Dizia:  "Nada se escreveu, penso, na Bíblia ou fora dela, de igual mérito literário." Esta história lança a perturbadora pergunta: "Por que o ímpio prospera e o crente sofre neste mundo?" E do seio do furação vem, na Bíblia, a resposta numa linguagem cuja majestade jamais foi sobrepujada: 
Quem é este, que mistura sentenças (preciosas) com discursos ignorantes?...
Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? 
Sabes quem deu as medidas para ela? e quem estendeu sobre ela a régua?
Sobre que foram firmadas as suas bases? 
ou quem assentou a sua pedra angular, 
quando os astros da manhã me louvavam todos juntos, 
e quando todos os filhos de Deus estavam transportados de júbilo? 
Quem pôs diques ao mar, quando ele transbordava, como que saindo do seio materno?
Quando é que eu pus as nuvens por sua vestidura,
e o envolvi em obscuridade, como a um menino entre faixas? 
Eu o encerrei nos limites que lhe prescrevi, 
e pus-lhe ferrolhos e portas, 
e disse-lhe: Chegarás até aqui e não passarás mais longe, 
e aqui quebrarás as tuas empoladas ondas. 
"Porventura entraste tu até ao fundo do mar,
e andaste passeando no mais profundo abismo? 
Porventura foram-te abertas as portas da morte,
e viste essas portas tenebrosas? 
Consideraste toda a extensão da terra? 
Declara-me, se sabes, todas estas coisas."
"Entraste porventura nos tesouros da nave, 
ou viste os tesouros da saraiva...?"
"Porventura poderás tu jantar as brilhantes estrelas Plêiades, 
ou impedir a revolução do Arcturo?..."
"Porventura o que disputa com Deus, tão facilmente o deixa?
Por certo que quem ergue a Deus, deve responder-lhe..."
(Jó - XXXVIII - 2-12, 16-18, 22,31. XXXIX - 32. idem) 
                  É interessante observar que escreviam como se fossem o próprio "Deus", que imaginavam para seus seguidores. Falavam de naves estelares referindo-se a Plêiades (aglomerado de estrelas). E isso tudo numa época tão remota, quando não se podia imaginar a tecnologia de hoje. Isso é, sem dúvida, uma prova de grande sabedoria. 
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                  O "Sermão da Montanha", muito conhecido, principalmente no ocidente, é considerado uma obra prima literária que a linguagem humana não conseguiu ultrapassar seus limites. 
                   Maomé, autor do "Corão", alegava que o tinha escrito no céu; talvez por isso seja considerada a mais estranha Bíblia existente. Ele dizia que uma vez por ano, trazidos pelo anjo Gabriel,  fragmentos dessa Bíblia eram descidos dos mais altos para os mais baixos planos do Céu.  Ao mesmo tempo, Maomé subia (assim dizia ele) ao Céu. Ali se encontrava com Gabriel,  que a cada ano lhe ditava uma parte do "Corão". Como Maomé não sabia escrever, esses trechos, dizia, eram transmitidos ao seu secretário que os anotava. Este escrevia tudo o que parecia estar à seu redor: um seixo, um omoplata de carneiro, um osso de camelo, uma folha de tâmara, um pedaço de pergaminho.  É dessa forma que foi redigida a Bíblia dos maometanos. Entretanto, a despeito do seu arranjo desordenado, o Corão  tem numerosas passagens interessantes. Em muitas passagens Maomé parece ter captado momentos de sabedoria, talvez ecoados do Velho e do Novo Testamentos. Podemos ver um exemplo na passagem de humildade, piedade e amor fraternal, onde diz: "E os vossos escravos, tratai de alimentá-los com os alimentos que vós mesmos comeis, e de vesti-los com os estofos que usais. E se cometerem uma falta que não estais dispostos a perdoar, vendei-os então, porque eles são os servos do Senhor, e não devem ser atormentados.". "Vós, ó gentes, ouvi com atenção as minhas palavras e entendei-as. Ficai sabendo que todo homem é irmão do seu semelhante. Todos vós estais no mesmo nível de igualdade." Até parece frases da Revolução Francesa. 
                  Para os maometanos, com toda sua razão, o Corão é uma das maiores obras literárias do mundo. Eles insistem tanto na sua beleza e santidade que em muitas mesquitas, embora seja um livro excessivamente longo,  é lido em voz alta do começo ao fim, em cada dia do ano. Para a longa leitura são necessários revesamentos de sacerdotes que vão lendo sucessivamente; cada novo grupo, dando continuidade, começa a ler quando o anterior está exausto.  
                  É espantoso, porém verdadeiro! - muitos sábios maometanos já leram o Corão cerca de 70.000 vezes. 

                    Do povo Indu herdamos dois dos mais notáveis livros: O Mahabharata e o Ramayana.

                      O Mahabharata é um dos livros mais compridos do mundo. Para se ter uma ideia podemos lembrar que livros como "E o Vento Levou", que foi um dos maiores já escrito, tem cerca de 1.000 páginas, mas mesmo assim fica longe do Mahabharata que tem mais de 7.000 páginas. 
                      Ai surge a pergunta: Quem é o autor dessa gigantesca obra literária ? Ninguém sabe. Provavelmente é o trabalho contínuo de milhares de poetas, mas nenhum se considerou digno de ligar seu nome ao sagrado livro. A razão é que os indus são talvez os mais profundos pensadores e o povo mais modesto da história universal. 
                      Em alguns aspectos o Mahabharata nos lembra a famosa Ilíada, de Homero. tal como a Ilíada , é um poema épico de guerra e intriga entre deuses e homens. E também, como a Ilíada, conta-nos a história de um conflito, originado da perda duma formosa mulher, entre uma nação e outra. Do ponto de vista literário, tem sido encarado por alguns, como por exemplo o Sir Charles Eliot, como "um poema maior que a Iliáde". Sem dúvida, contem passagens muito longas e monótonas que resultaram no seu volume estratosférico. Mas também encerra alguns dos mais belos trechos de todas as literaturas. Um dos maiores desses trechos é a Canção do Senhor (Bhagavad-Gita). Essa Canção é tida como o Novo testamento da Índia. Nos tribunais, os Indus juram sobre ele, como nós juramos sobre a Bíblia. Também Guilherme de Humboldt  chamou-o de " a mais profunda e talvez a mais sublime obra produzida no mundo". 
                       Krishna, o Ser Supremo dos indus, no trecho abaixo,  fala a um imortal: 
"Suspendem-se em mim
como no fio dum colar uma fieira de pérolas. 
Eu sou a doçura da água, eu sou a prata do luar e o ouro do sol. 
Eu sou o Verbo que bafeja nos livros sagrados, 
O segredo do éter e a força das sementes plantadas.
Eu sou o bom e suave odor da terra molhada, eu sou o chão vermelho do fogo, 
O ar vital em tudo quanto vive e se move, 
A santidade das almas consagradas, a raiz Imortal, 
que brota em qualquer parte onde esteja. 
A sabedoria do sábio, a música de tudo quanto é musical, 
A grandeza de tudo quanto é grande.
Porque eu sou tudo, e tudo em mim é um só. "

                    A segunda epopeia notável dos indus é o Ramayana, cuja autoria é atribuída ao poeta Valmiqui, mas, também aqui tudo é nebuloso e envolto em mistério. 
                     O que é interessante observar é que o Ramayana também lembra a Ilíada, de Homero, pois recorda a Odisseia deste autor. Tanto o Ramayana,  como a Odisseia descreve os trabalhos e viagens do herói, enquanto sua esposa aguarda pacientemente o seu regresso. Entretanto, as viagens de Rama são terrestres e não marítimas como foram as viagens de Ulisses.
                     Quando Rama finalmente volta, estabelece em seu reino uma espécie de Utopia, uma feliz Ilha dos Bem-aventurados, onde: 
"Ladrões embusteiros e joviais impostores não atraem com mentirosas palavras;
O vizinho ama o seu virtuoso vizinho e o povo ama o seu senhor...
 As chuvas caem a tempo devido, sem as frias rajadas esterilizantes; 
Ricos em meses e ricos em pastagens são os vales maciços e ridentes. 
Teares e bigornas não cessam de produzir, como produz o solo fértil e cultivado.
E a nação vive jubilosa, nas suas velhas fainas ancestrais. 
                O modo como Rama volta aos braços da esposa é muito interessante, conta-nos o poeta 
"num aeroplano". É bom lembrar ao caro leitor que isso se passa a mais de três mil anos, quando nem se pensava na possível existência de aeronaves. Seria uma alienígena, como a imaginação humana mostrou no filme "Eram os Deuses Astronautas?' ou algum veículo de uma civilização superior à nossa, mesmo que da terra, que depois foi extinta? Fica a pergunta para reflexão. 

                 A Bíblia persa, o Zend-Avesta (liro da sabedoria) é obra de Zoroastro. Esse profeta persa tem uma estranha história. Os persas acreditam que ele nasceu de uma planta e de um anjo. No dia do nascimento não chorou, mas riu alto, e os espíritos maus das trevas fugiram apavorados. A partir daquele momento Zoroastro foi consagrado a Ahura-Mazda, o Deus da Luz. 
                 Quando se tornou um jovem afastou-se da sociedade e foi viver no deserto. Lá, por muitas vezes, foi tentado pelo demônio; ele resistiu a tudo e até uma espada que lhe atravessaram no peito, além disso encherem-lhe o corpo de chumbo derretido.  Mas triunfou de trudo e deu o seu Zend-Avesta ao mundo. Em seguida, terminando seu trabalho, subiu ao Céu na asas de um relâmpago e assentou-se ao lado do trono de Ahura-Mazda. 
                 Até a morte de Zoroastro sua Bíblia já havia sido gravada em 12.000 couros de vaca. Hoje restam apenas alguns poucos fragmentos desse livro. 
                 De acordo com os ensinamentos de Zend-Avesta, há uma eterna luta entre  o Deus da Luz e O Anjo das Trevas. O Deus da luz criou a vida, a virtude e a felicidade. O Anjo das Trevas, em contrapartida, criou o pecado, a doença, o desespero e a morte.  Essa luta entre o Bem e o Mal deverá durar 12.000 anos; mas no fim o Bem triunfará. Todos os homens de bem serão reunidos no céu, e todos os homens maus cirão num negro e deletério abismo. 
                 Na passagem do Zend-Avesta, que transcrevo abaixo, poderá tomar conhecimento da beleza e majestade do Livro de Jó.
 "Isto eu te pergunto, ó Ahura Mazda:
Quem determinou os caminhos dos sóis e das estrelas? 
Quem é que faz a lua crescer e diminuir?
Quem sustenta a terra e o firmamento, sem os deixar cair? 
Quem faz as plantas germinar e as águas cair das nuvens? 
Quem emparelhou o carro dos ventos e os fez voar sobre a terra? 
- Dize-me quem foi?"
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CONFUCIONISMO
                     O maior profeta dos chineses foi Confúcio. Ele pregava uma religião baseada na adoração das coisas. 
                   Confúcio viveu no século IV antes de Cristo, ( 550 x 478 a.C.) Viveu na época dos profetas Ezequiel e Daniel na Palestina, de Sólon e Pitágoras na Grécia, de Buda na Índia. A China atravessava seu período feudal; os senhores feudais, onipotentes, viviam firmemente estabelecidos nas cidades cercadas de muralhas e rodeadas de fossos que impediam invasões. Cada poderoso senhor governava uma ou mais cidades, e as mais distantes deixavam a cargo de seus vassalos. Esses senhores sentiam-se verdadeiros deuses e desprezavam os  camponeses que consideravam vulgares por apenas se preocuparem com o que precisavam para viver. Esta cultura, porém, é bem diferente da das cortes ocidentais; tanto na China como no Ocidente, formavam-se grupos em redor dos príncipes e reis, porém, a corte feudal chinesa é envolvida por um ambiente de devoção. Lá sempre houveram os "lugares santos" , especialmente montanhas, e as próprias cortes feudais também se converteram e lugares santos. 
                     Foi nessa época e ambiente que nasceu o grande sábio CONFÚCIO. 
                   A história de Confúcio se perde no tempo e tem suas lendas bastante estranhas. De acordo com essas lendas, sua chegada ao mundo foi acompanhada de cantos de invisíveis espíritos e o ar que respirava era perfumado pelos anjos que o cercavam. Seu berço sempre foi guardado por dragões. Contam os chineses que seu aparecimento foi tão extraordinário como seu modo de nascer.  "Seu dorso era o dorso dum dragão, seus lábios eram os lábios de um boi e sua boca era como as águas do oceano". 
                    Segundo a história ele teve apenas um filho, mas na China de hoje  há cerca de 11.000 chineses que se dizem descendentes diretos de Confúcio. 
                    Ele foi um grande sábio, casou-se aos 19 anos e divorciou-se aos 23, período em que teve seu único filho. A partir de então passou a ter uma vida serena de humildade, sabedoria e bondade até sua morte aos 72 anos, idade avançadíssima para a época. 
                    Seu objetivo era cultivar a vida com prazer e ensinar a arte de governar a si mesmo e aos outros. 
                    Um dia Confúcio estava caminhando, para atravessar uma região montanhosa, quando viu uma velha senhora chorando sobre um túmulo. Aproximou-se dela e perguntou: 
"- Por que estais chorando, minha boa mulher? - 
- Por que não hei de chorar? O pai do meu marido foi morto por um tigre; depois meu marido foi morto por outro; agora meu filho teve a mesma sorte. 
- E por que - perguntou Confúcio - insistes  em viver em lugar tão perigoso? 
- Porque - respondeu ela - este lugar não é governado por um tirano. 
- Ah! sim, compreendo - disse Confúcio - Um tirano é ainda mais perigoso que um tigre."
                     Confúcio não criou uma Bíblia, mas seus ensinamentos são seguidos até hoje. Era realmente um homem muito sábio. Seu principal objetivo era ensinar o povo a viver bem. Não tinha nenhuma preocupação pelo que aconteceria com as pessoas depois de sua morte. Quando alguém lhe perguntava sobre o significado da morte ele simplesmente respondia: "Se não posso explicar a vida, como hei de compreender a morte?"



                   Ele tinha um simples e eficaz sistema de moral, que pode ser resumido em algumas de suas sentenças: 
"Sê leal para consigo mesmo e caridoso para com teu próximo. 
Ajuda quem precisa e não sejas severo para ninguém. 
Trata teu amigo com bondade e teu inimigo com justiça. 
Tem simpatia por todos os homens. 
Não dês atenção à calúnias ou a falas violentas. 
Trata seus superiores sem lisonja, e teus inferiores sem desprezo. 
Sê lento nas palavras e resoluto nas ações. 
Não faças a outrem aquilo que não desejarias que fizessem a ti". 
                   Confúcio era poderoso por sua sabedoria e seus ensinamentos não eram leis, mas são seguidos até hoje. Ele resumiu todos esses e outros princípios no seu retrato do Perfeito Cavalheiro, ou o Homem Superior.  Dizia ele: 
" - O homem superior possui oito importantes qualidades. 
A respeito de seus olhos, deseja fortemente ver claro.
A respeito do seu aspecto, deseja veementemente ser delicado. 
A respeito do seu procedimento, deseja fortemente que ele seja respeitoso.
A respeito de seu falar, deseja ardentemente que seja sincero. 
A respeito da direção de seus negócios, deseja que eles sejam honestos. 
A respeito de suas dúvidas, tem ânsias de perguntar e de aprender.
A respeito de suas paixões, deseja agudamente dominá-las. 
A respeito de sua atitude para com seus amigos, deseja grandemente ser justo.
                  Confúcio, ao contrário de muita outras doutrinas e religiões, não usava a força e nem o medo para dominar o intelecto das pessoas. Seu sistema ético sempre se baseou na delicadeza, justiça e paz.  Numa certa ocasião, um dos seus discípulos peguntou-lhe quais eram os mais importantes elementos de um bom governo. Ele então respondeu: 
" Deve haver suficiente quantidade de alimentos, suficiente número de soldados e suficiente grau de confiança entre governantes e o povo."
Seu discípulo então lhe perguntou: - "Mas se não houver remédio e um desses três requisitos tiver de ser dispensado, qual deles deverá ser sacrificado?"
- Os soldados" - respondeu-lhe prontamente.
                  Apesar de parecer poético, Confúcio não era um simples sonhador, mas um prático homem de Estado. Em certa ocasião chegou a exercer as funções de ministro da justiça na província de Lu. Foi ali que o rei da província lhe perguntou: - Como o Senhor pretende dar cabo ao furto? E ele respondeu: 
"- Dando cabo à avareza; se os ricos não fossem avarentos, nada teriam para os pobres roubarem."
                  Sob sua orientação, a província de Lu prosperou muito, despertando a inveja num rei de um país rival. Para conquistar o rei de Lu, ardilosamente, presenteou-o com oitenta das mais belas e sedutoras dançarinas que conseguira. A artimanha deu certo. O rei de Lu encantou-se tanto pelas dançarias e passou a considerar o velho filósofo pouco interessante diante de tantas beldades. Começou a banquetear com as dançarinas, abandonou e desconsiderou  Confúcio acabando por demiti-lo. 
                  O rei da província rival aproveitou a oportunidade e convidou Confúcio para fazer parte em sua côrte. Mas o velho sábio recusou, dizendo: 
" - Deixemos os reis divertirem-se com suas lindas moças e seus brilhantes dedos dos pés. Quanto a mim, permanecerei fiel ao meu único e exclusivo amor - a busca do mistério e do significado da vida."
                  Aos 68 anos de idade, o ancião pode, por convite do ministro da época, regressar á sua pátria Lu. Durante 14 anos vagou de um lado para o outro e agora permanece ali. As pessoas acorrem a ele em busca de conselhos, mas os poderosos não lhe deram nenhum posto oficial. Portanto, pratica sua profissão primitiva. Conversa com seus discípulos, lê e corrige os livros santos, comenta muito sobre o obscuro livro de profecias I-Quing e escreve uma história de sua pátria, Lu. Sente suas forças diminuírem e sabe que seu crepúsculo se aproxima. No ano em que regressou a Lu,  morreram seu filho Peiu e seu discípulo favorito Ien-Iuan. Seu estado de ânimo está declinando rapidamente, sentia-se péssimo e então disse: "O Céu me destruiu, o Céu me destruiu!" Numa manhã de abril do décimo quarto ano do reinado de Ngai-Quing (478 a.C.), com a idade de 72 anos, sente a presença da morte. Passeia por seu pequeno jardim, sussurando uma canção: 
"Tai Chan, a grande montanha, deve desmoronar-se, 
A forte viga deve quebrar-se, 
O homem sábio deve murchar como uma plantinha!" 
                    Somente seu neto, o único que se encontra junto a seu leito de morte é quem ouve suas últimas palavras: 
"Não surge nenhum governante inteligente que me tome como seu meste. Meu tempo terminou!"
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CONTINUO MAIS TARDE 
Nicéas Romeo Zanchett